O caminho real de Serzedo e Calvos

Há milénios que mercadores, exércitos, peregrinos ou simplesmente aventureiros de outras terras atravessam este nosso território. Tudo começou provavelmente com os romanos que, há 2.000 anos, construiram uma estrada de perto de 500 km a ligar as cidades imperiais de Braga e Mérida. Há estudiosos que defendem que essa estrada passava no território que hoje é Calvos e Serzedo, fazendo a travessia do rio Vizela no Arco e seguindo em direção a Tongóbriga (perto de Marco de Canavezes).

Depois do império romano ter caído, a estrada continuou obviamente a ser utilizada e mantida, sendo já depois da Idade Média conhecida como o Caminho Real, o equivalente ao que é hoje uma estrada nacional. Provavelmente, faria a ligação entre os dois importantes pólos urbanos de Amarante e Guimarães. O exército napoleónico do General Loison (o “Maneta”) por aqui passou em 1809, nas segundas invasões francesas, quando fugia de Amarante para Guimarães. Trouxe a destruição, pilhagem e morte à sua passagem, tendo assassinado pelo menos dois moradores da freguesia [1].

Tal como no tempo dos romanos, a estrada nem sempre tinha as melhores condições: nos locais mais inclinados ou mais húmidos, havia calçada em pedra. Nos outros troços (a maioria), era simplesmente de terra batida. Os romanos tinham técnicas de construção de estradas que faziam com que estas tivessem uma grande durabilidade, razão pela qual ainda hoje se encontrem troços de calçadas romanas em vários locais.

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Ponte do Arco

Mas por onde passava o Caminho Real? Quem viesse de Amarante e atravessasse a Ponte do Arco, em Serzedo, via em frente uma habitação que agora está ruínas e que há pouco tempo era conhecida como a venda da Dona Ester. Pode ainda ver-se na parede as argolas de ferro onde se seguravam os cavalos enquanto se faziam as compras ou se matava a fome ou a sede. Na Idade Média, este edifício pertenceu à Ordem do Hospital, tendo portanto sido um local onde os viajantes paravam para descansar e beneficiar da hospitalidade dos anfitriões. Dali, o caminho seguia para noroeste. Mais à frente, havia outra venda, a do Zé do Arco. Sendo uma estrada importante, havia muito comércio ao longo do percurso.

Depois do Arco, os viajantes subiam pela calçada em direção ao monte de Eiriz. O caminho atravessava o que é hoje a Rua 24 de Junho e entrava em frente pelo monte acima. Nos primeiros metros do caminho pelo monte, ainda hoje se podem encontrar algumas lajes nos locais mais inclinados e velhos muros que ladeavam o caminho. Infelizmente, a construção da auto-estrada A7 e a falta de empenho das autarquias de então em preservar de alguma forma a ligação, fez com que o caminho real fosse irremediavelmente cortado.

Do lado de lá da A7, o caminho continuava ao longo dos limites da Quinta de Cimo de Eiriz (situada à esquerda do caminho). A antiga divisão administrativa entre as freguesias de Serzedo e Calvos correspondia, nesta zona, ao traçado do caminho real. Chegado à estrada que hoje liga Serzedo a Calvos, o caminho real atravessava e continuava a subir, pela Rua das Pernícias, em direção à rua da Pedreira e ao lugar do Barraqueiro. Dali, descia ao Souto da Bouça, passava em frente à venda da Botica, e virava para a Rua das Alminhas, onde havia mais uma venda na Estalagem – as Vendas da Serra.

Ainda hoje se contam histórias dos esqueletos humanos que se encontravam em fossas nas imediações da Estalagem. Seriam provavelmente de viajantes que, por razões diversas, não chegavam ao seu destino e ficavam ali mesmo sepultados – poder-se-á especular porque razão não foram sepultados na igreja… Ouçamos mais uma história da Rosinha Sapateira sobre o tema:

Depois do descanso nas Vendas da Serra, a subida continuava, agora pelo lugar da Tomada até ao final da Rua das Alminhas. A partir daqui, o desnível passava a ser mais suave. O caminho atravessava as que hoje são a Rua Nova e Rua de Sizalde e entrava pelo monte que fica por cima da Quinta de Sizalde. Passava por baixo da Rua da Presa Nova e deixava o nosso território, ao lado da entrada para a Quinta do Novelo, pelo caminho de terra que segue em direção à antiga escola primária de Abação. Este caminho está muito bem preservado e é aqui bem mais fácil de seguir, pois é quase plano. Depois de Abação, o caminho ia pela fraldas do monte da Penha e descia para Guimarães, indo dar ao Campo da Feira.

É uma pena nunca ter havido interesse em recuperar este e outros caminhos com tanta história. Poder-se-iam fazer percursos pedestres, colocar painéis informativos sobre os achados arqueológicos e acontecimentos históricos e, sobretudo, estimular a população a ter interesse pelo seu território. Fica a sugestão, para um município que já foi capital europeia da cultura, capital europeia do desporto, e quer ser capital verde europeia, mas que sempre valorizou muito mais o centro urbano do que a periferia.

Pode ser consultado abaixo o traçado do caminho ao longo da extensão que pertence ao território de Calvos e Serzedo.

[1] LEITE, Artur Magalhães, “Calvos ao Longo da História”, 2008.

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